quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

tentativa frustrada

Sorte não tem nada haver com sorteios e loterias. Sorte é muito mais simples do que se imagina. Todos os dias eu pego o ônibus próximo ao terminal e por isso sempre há um lugar para eu sentar. Na ida e a volta. No trânsito, vejo muitas pessoas que passam 2h em pé durante toda a viagem, sentindo o roçado e a catinga de suor das outras pessoas. E elas, por sua vez, são forçadas a roçar e a exalar odores também. Que sorte, a minha!
Todo dia, por conta do privilégio de ir sentada para o trabalho, pego um livro. Tenho 2h de pura viagem. Os outros, de pura roçagem. Enquanto eu lia as palavras de Caio F.,
"Quanta vaidade, quanto palavreado tolo, quanta culpa idiota. [...] Pelo menos, enfrenta. Como aquela, mentindo naturalidades com tamanha perfeição que até consegue dizer: sou simples. E diz a verdade quando mente. Não me venhas com Densas Complexidades Psicológicas. Artimanhas, embustezinhos corriqueiros. Portas falsas, coração. Tudo isso me nauseia como a décima dose de um licor de anis. [...] Tudo não passa de um emaranhado de vísceras. Levarás para o túmulo tanta delicadeza, tamanha pudicícia. Os vermes engordarão de tanto açúcar-cande. O que não impedirá o fedor de flutuar como uma aura às avessas sobre a tua cova. [...] Não decifras nada, esfinge de plástico."
, um homem ao meu lado estava concentrado em observar como eu estava concentrada na leitura.
Não deu para ver o rosto dele, mas deu para perceber pelo canto do meu olho direito que ele olhava pra mim. Acho que ficou impressionado com a quantidade de barulho e de acontecimentos que passaram despercebidos por mim. Um pouco antes dele descer, já faziam, mais ou menos, uns 45 minutos de viajem, ele falou pro vento "Nossa, quanto carro na CDU! Formatura". E eu fingi não ter ouvido. Mas vi, através da janela, todos aqueles carros parados pelo canto do meu olho esquerdo. Eu senti como se ele estivesse testando a minha capacidade de concentração, então aceitei o desafio e não olhei para nenhum dos lados. Permaneci, aparentemente, imóvel. Ele desceu do coletivo e foi embora!

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